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Requisitos para amostra em licitações

No âmbito de licitações e contratos, é difundida a noção de que as condições que os concorrentes devem atender devem ser apenas as suficientes para a contratação regular pela Administração Pública, atendendo o postulado da ampla competição.

De outro lado, critérios excessivamente genéricos causam problemas na qualidade do bem ou serviço contratado, com impacto na eficiência, afetando o propósito da contratação em si.

Nesse contexto, indaga-se sobre a possibilidade de aquilatar os princípios da ampla competição e da eficiência, mediante definição de procedimentos específicos como é o caso da amostra, de forma que uma demonstração prévia do que será contratado possa garantir mais segurança para o órgão público.

Legislação aplicável

A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 dispõe que no julgamento das licitações, a Administração deverá verificar a conformidade das propostas dos concorrentes com o que foi estipulado no instrumento convocatório.[1] No mesmo sentido, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, disciplina que na fase externa do pregão será apurado o atendimento da proposta do licitante, em relação às exigências editalícias.[2]

Dessa forma, sob vigência das citadas normas, a utilização de amostra como critério de habilitação fica a cargo da Administração Pública, que deve estabelecer procedimento expresso em edital.

Já a Lei nº 14.133, de abril de 2021 – Nova Lei de Licitações – em evolução legislativa dos normativos citados, é expressa ao permitir a exigência de amostra ou prova de conceito dos licitantes:

Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:
I – preparatória;
II – de divulgação do edital de licitação;
III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;
IV – de julgamento;
V – de habilitação;
VI – recursal;
VII – de homologação.
[…]
Parágrafo 3º: Desde que previsto no edital, na fase a que se refere o inciso IV do caput deste artigo, o órgão ou entidade licitante poderá, em relação ao licitante provisoriamente vencedor, realizar análise e avaliação da conformidade da proposta, mediante homologação de amostras, exame de conformidade e prova de conceito, entre outros testes de interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência às especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico.

Exemplo comum sobre a utilização de amostras foi desenvolvido em licitações para contratação de serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, existindo, inclusive, normativo federal específico que detalha os trâmites de tais contratações.

Trata-se da Instrução Normativa nº 1, de 4 de abril de 2019, da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia. Essa norma trata sobre a amostra com a designação de “prova de conceito”, sendo o procedimento de verificação das especificações técnicas definidas no termo de referência ou projeto básico:

Prova de Conceito: amostra a ser fornecida pelo licitante classificado provisoriamente em primeiro lugar para realização dos testes necessários à verificação do atendimento às especificações técnicas definidas no Termo de Referência ou Projeto Básico.[3]

Destaca-se que a Administração poderá, de acordo com a complexidade do objeto licitado, utilizar apoio de setor técnico para a análise e julgamento das propostas e das amostras apresentadas pelos licitantes.[4]

Em termos de legislação, observa-se que o procedimento de amostra já era permitido conforme estabelecido em instrumento convocatório, mas agora se encontra positivado com maior densidade normativa, com a edição da Nova Lei de Licitações.

Efetiva necessidade da amostra

Nas contratações públicas, constata-se ser recorrente a apresentação de propostas, por parte dos licitantes, com objeto de qualidade inferior ao licitado[5]. Visando diminuir o risco de tal ocorrência, um possível controle que vem sendo empregado pelos gestores públicos é a previsão de apresentação de amostra durante o certame.

Para que sejam evitados questionamentos dos órgãos de controle, a Administração deve trazer nos autos do processo administrativo justificativa plausível sobre a necessidade da exigência de amostra, em atenção ao princípio da motivação.[6]

O órgão público deve descrever detalhadamente o que pretende contratar. Ocorre que, nem sempre uma boa descrição assegura a qualidade do objeto, sendo necessária a análise do produto ofertado por setor técnico da Administração. A exigência de amostra demonstra a preocupação do gestor público em assegurar a qualidade do produto e, consequentemente, de resguardar o erário. Evita-se, assim, o risco de aceitar objeto distinto do licitado.

Apesar da perda inicial da celeridade no certame, o procedimento de avaliação de prova de conceito pode se fazer necessário para mitigar riscos de recebimento de objetos de baixa qualidade, e consequente descumprimento contratual[7].

As provas de conceito servirão para demonstrar se a ferramenta submetida à avaliação – que sempre deve ser objetiva – contempla requisitos previamente estipulados, necessários ao atingimento dos objetivos de negócio pretendidos pelos órgãos contratantes.[8]

Demonstrando-se nos autos do processo administrativo que a exigência de amostra é necessária para a adequada contratação, o licitante somente deverá participar do certame se conseguir anteder as exigências editalícias. Não existindo justificativa para a exigência de amostra, deve o licitante impugnar o edital, uma vez que a licitação não estará resguardada pelos dispositivos legais e pelos entendimentos dos órgãos de controle.

Demonstrada a necessidade de exigência de amostra, os procedimentos e critérios objetivos a serem utilizados na sua avaliação deverão constar no termo de referência ou projeto básico.[9]

Por ainda não existirem critérios claros para a correta solicitação de amostras aos licitantes nas normas que tratam sobre licitações, o Tribunal de Contas da União – TCU vem proferindo decisões para auxiliar os servidores públicos na elaboração dos editais, com objetivo de evitar restrição à competitividade.

Jurisprudência

Ao tratar sobre o tema, o TCU discorre sobre a viabilidade de se exigir amostra em licitações, reforçando a necessidade de observância aos princípios do julgamento objetivo, da vinculação ao instrumento convocatório e da motivação:

9.2. determinar ao CNPq que, em futuros processos licitatórios que requeiram prova de conceito ou apresentação de amostras, documente os procedimentos que atestaram a avaliação e a homologação ou rejeição do objeto licitado, atentando para a descrição dos roteiros e testes realizados e sua vinculação com as características técnicas e funcionalidades desejadas, em obediência aos princípios do julgamento objetivo e da vinculação ao instrumento convocatório, bem como da publicidade e da motivação, previstos no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 e no art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999; […].[10]

Conforme se verifica na evolução jurisprudencial da Corte de Contas, foram estabelecidos os seguintes critérios para amostra nas licitações:

a) somente pode ser cobrada do licitante se existir previsão no edital: a exigência de apresentação de amostras é admitida desde que previamente disciplinada e detalhada no instrumento convocatório;[11]
b) permitida apenas na fase de classificação das propostas: não pode ser exigida na fase de habilitação, nem mesmo na fase interna da licitação;[12]
c) somente pode ser solicitada do licitante classificado em primeiro lugar: exigência para que todos os licitantes, ao apresentem amostras dos produtos, e não apenas aquele classificado em primeiro lugar, restringe a competitividade e afrontando o disposto no art. 3º, § 1º, inc. I, da Lei nº 8.666/93;[13]
d) o prazo estipulado para o envio das amostras ao órgão realizador da licitação deve ser razoável: se não houver devida motivação no processo licitatório, a definição de prazo exíguo para apresentação das amostras dos produtos contraria o princípio da razoabilidade e a concorrência – art. 3º, § 1º, inc. I, da Lei[14] nº 8.666/93;
e) o custo da amostra deve ser razoável, de forma a não constituir em restrição à competição: o procedimento da amostra não pode ter custo elevado, apto a restringir a participação de todos os licitantes, em atenção ao princípio da ampla competição;[15]
f) na sessão pública, o agente responsável pela condução, ao solicitar a amostra, deverá estipular a data e horário que será analisada: a ausência dessas informações ofende o princípio da publicidade, previsto no art. 3º da Lei nº 8.666/93 e prejudica os licitantes e interessados em acompanhar a avaliação da amostra;[16]
g) no edital devem constar os procedimentos de análise da amostra: roteiro de avaliação, com detalhamento de todas as condições em que o procedimento será executado, além dos critérios de aceitação e, consequentemente, da proposta do licitante;[17]
h) os resultados da avaliação devem ser divulgados: no edital também deve constar a forma de divulgação, a todos os licitantes, do resultado de cada avaliação;[18]
i) deve ser estipulado prazo para que a empresa retire a amostra, após a avaliação: cláusulas que especifiquem a responsabilidade do contratante quanto ao estado em que a amostra será devolvida e ao prazo para sua retirada após a conclusão do procedimento licitatório.[19]

Análise LCT

Os órgãos públicos poderão exigir amostra, justificando sua necessidade nos autos do procedimento licitatório, prevendo no edital todas as regras que os licitantes deverão observar para a demonstração.

A exigência deve ocorrer apenas na fase de classificação das propostas e solicitada ao licitante classificado em primeiro lugar. Prazo e custos estipulados para o envio da amostra deve ser razoável e constar previamente no instrumento convocatório.

Além disso, os resultados da avaliação precisam ser divulgados pelo órgão condutor do certame, sendo estipulado um prazo para que a empresa retire a amostra, após os resultados.

Observando-se corretamente os requisitos, delineados principalmente na jurisprudência do TCU, não há que se falar em restrição ao postulado da ampla competição, mas sim em respeito ao princípio da eficiência, formatado na hipótese para certificar a qualidade do objeto contratado.  Por esse caminho, evita-se desperdício de tempo e recursos públicos que geralmente ocorrem em contratações de objetos de qualidade insuficiente para atender a necessidade da Administração Pública.

__________

[1] Lei nº 8.666/1993. Art. 43.  A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos: […] IV – verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis.
[2] Lei nº 10.520/2002. Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras: […] XV – verificado o atendimento das exigências fixadas no edital, o licitante será declarado vencedor;
[3] Instrução Normativa nº 1/2019 – Dispõe sobre o processo de contratação de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação – SISP do Poder Executivo Federal.
[4] Instrução Normativa nº 1/2019. Art. 28. Caberá à Equipe de Planejamento da Contratação, durante a fase de Seleção do Fornecedor: […] III – apoiar tecnicamente o pregoeiro ou a Comissão de Licitação na análise e julgamento das propostas e dos recursos apresentados pelos licitantes e na condução de eventual Prova de Conceito.
[5] TCU – Acórdão 1.215/2009-TCU-Plenário
[6] Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
[7] Revista do TCU 126. Jan/Abr 2013. Avaliação de amostras em pregão para contratação de objetos de TI. Antônio Daud Júnior e Carlos Renato Araújo Braga_ pág. 44.
[8] TCU – Acórdão nº 2059/2017 – Plenário
[9] Instrução Normativa nº 1/2019. Art. 12. O Termo de Referência ou Projeto Básico será elaborado pela Equipe de Planejamento da Contratação a partir do Estudo Técnico Preliminar da Contratação, incluindo, no mínimo, as seguintes informações: […] § 1º Nos casos de necessidade de realização de Prova de Conceito, os procedimentos e critérios objetivos a serem utilizados na avaliação da mesma deverão constar no Termo de Referência.
[10] TCU – Acórdão nº 2932/2009 – Plenário
[11] Acórdão nº3269/2012- Plenário
[12] Acórdão nº 3269/2012- Plenário e ACÓRDÃO 2059/2017 – Plenário
[13] A exigência de amostras a todos os licitantes, além de ser ilegal, pode impor ônus excessivo aos licitantes, encarecer o custo de participação na licitação e desestimular a presença de potenciais interessados. Acórdãos nº 1.291/2011-TCU-Plenário, 2.780/2011-TCU-2ª Câmara, 4.278/2009-TCU-1ª Câmara, 1.332/2007-TCU-Plenário, 3.130/2007-TCU-1ª Câmara, 3.395/2007-1ª Câmara e 2796/2013 – Plenário
[14] Acórdão nº 2796/2013 – Plenário
[15] Acórdão nº 1113/2008 – Plenário – A exigência de amostras, […] porquanto imporia ônus que, a depender do objeto, seria excessivo, a todos os licitantes, encarecendo o custo de participação na licitação e desestimulando a presença de potenciais licitantes.
[16] TCU – Acórdão nº 1823/2017 – Plenário: Em licitações que requeiram prova de conceito ou apresentação de amostras, deve ser viabilizado o acompanhamento dessas etapas a todos licitantes interessados, em consonância com o princípio da publicidade.
No mesmo sentido: Acórdãos nºs 346/2002, 1.984/2008 e 2.077/2011, todos do Plenário e Acórdão nº 1285/2014 – 2ª Câmara.
[17] Acórdão nº 1285/2014 – 2ª Câmara
[18] Acórdão nº 1285/2014 – 2ª Câmara
[19] Acórdão nº 1285/2014 – 2ª Câmara

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