É dever da Administração Pública fazer uma estimativa prévia de demanda e definir o quantitativo de bens ou serviços a serem contratos, na fase de planejamento da contratação, precedente inclusive à elaboração do edital, termo de referência ou projeto básico. Essa previsão, de tamanha relevância, serve de parâmetro para definir os principais requisitos da licitação, como regras de habilitação e preço máximo estimado.
O curso do tempo e a realizada prática da execução contratual podem ensejar a necessidade de aprimoramento do planejamento prévio. Por vezes, os órgãos públicos identificam demanda inferior à prevista inicialmente e solicitam, por conseguinte, a redução de quantitativos do contrato. Nesse contexto, importante analisar os parâmetros que balizam essa pretensão.
Legislação aplicável
As principais normas para licitações e contratos da Administração Pública brasileira estão previstas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Especificamente, o artigo 65 dessa lei regula a forma pela qual os contratos administrativos podem ser modificados.
O inciso I, alínea “b”, do mencionado dispositivo determina que a Administração Pública pode alterar os contratos de forma unilateral, quando for necessária a modificação do valor do contrato por consequência de acréscimo ou diminuição nos quantitativos.[1]
Dessa forma, por disposição legal expressa [2], o fornecedor é obrigado a aceitar a diminuição de quantitativos imposta pelo órgão público. Entretanto, essa obrigatoriedade de aceitar a diminuição de quantitativos tem o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial do contrato para obras, serviços e compras, com aumento de 50% (cinquenta por cento) no caso de reforma de edifício ou equipamento, conforme o § 1º do art. 65.
Em síntese, na maioria dos casos, por lei, a empresa que celebra contrato com a Administração Pública é obrigada a aceitar a modificação unilateral do contrato, para diminuição da quantidade do objeto contratado, até o limite de de 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato.
A Lei nº 14.133, de abril de 2021 – Nova Lei de Licitações – atualizou o regramento da supressão em contratos administrativos, mantendo o limite de de 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato para obras, serviços e compras, com aumento para 50% no caso de reforma de edifício ou equipamento. Foi destacada também a necessidade de preservação do objeto da contratação:
Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I – unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos;
b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
[…]
Art. 125. Nas alterações unilaterais a que se refere o inciso I do caput do art. 124 desta Lei, o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta por cento).
Art. 126. As alterações unilaterais a que se refere o inciso I do caput do art. 124 desta Lei não poderão transfigurar o objeto da contratação.
Examine-se, em sequência, que a legislação se afigura em confluência com a jurisprudência sobre a temática.
Jurisprudência
Os tribunais brasileiros, com competência para julgar casos sobre as relações entre a Administração Pública e os particulares, possuem jurisprudência que complementam as hipóteses de alteração unilateral do contrato administrativo.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, Corte Superior do Judiciário com competência para julgar questões envolvendo matéria federal, possui orientação pacífica no sentido de que o poder da Administração de alterar unilateralmente o contrato representa prerrogativa em favor do interesse público, devendo existir proporcionalidade entre variação do preço e aumento ou diminuição do objeto:
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- É lícito à Administração Pública proceder à alteração unilateral do contrato em duas hipóteses: (a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica; (b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto (Lei 8.666/93, art. 65, I, a e b).
- O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos (Lei 8.666/93, art. 65, § 1º).
- O poder de alterar unilateralmente o ajuste representa uma prerrogativa à disposição da Administração para concretizar o interesse público. Não se constitui em arbitrariedade nem fonte de enriquecimento ilícito.
- A modificação quantitativa do valor contratado (acréscimo/supressão) deve corresponder, em igual medida, à alteração das obrigações dos sujeitos da relação jurídica (Administração Pública e particular), ou seja, a variação do preço deve guardar uma relação direta de proporcionalidade com aumento/diminuição do objeto, sob pena de desequilíbrio econômico-financeiro, enriquecimento sem causa e frustração da própria licitação.[3]
O Tribunal de Contas da União – TCU, Corte Federal com competência administrativa para fiscalizar contratos administrativos e julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores dos órgãos públicos, bem como as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano aos cofres públicos, possui jurisprudência sedimentada de que as alterações contratuais devem ser acompanhadas das devidas justificativas e de fato superveniente:
Adote a pratica de registrar nos processos licitatórios e nos processos deles decorrentes – processos de acompanhamento de contratos de obras e/ou serviços – as devidas justificativas para as alterações contratuais, com as demonstrações analíticas das variações dos componentes dos custos dos contratos, conforme previsto no art. 65 da Lei nº 8.666/1993.[4]
[…] cuide para que as alterações contratuais previstas no artigo 65, inciso I, alínea “b”, da Lei nº 8.666/93 sejam realizadas tão-somente quando justificadas por fatos supervenientes ao contrato, de modo a evitar a fuga da modalidade licitatória adequada ao volume das contratações.[5]
É importante evidenciar que o pagamento pelo órgão público por serviços que não são necessários, no ordenamento jurídico brasileiro, implica em desperdício de recursos públicos e no enriquecimento ilícito do particular, acarretando uma série de sanções nas esferas civil, administrativa e penal, com repercussão negativa a para a empresa de maneira concomitante.
Na esfera civil, pode existir condenação por ato de improbidade administrativa, por enriquecimento ilícito em auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida, nos termos[6] do artigo 9º da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. As possíveis sanções para esse ato ilícito podem ser condenação ao ressarcimento integral dos valores, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial, proibição de contratar com o Poder Público e proibição de receber benefícios fiscais.[7]
Na esfera administrativa, pode haver condenação em impedimento de licitar e contratar com o Poder Público, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, bem como no pagamento de multa, por fraude na execução do contrato. Essa sanção está prevista[8] no artigo 7º da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que regula a modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços.
Também na esfera administrativa, no âmbito de atuação do Tribunal de Contas da União que, conforme mencionado, possui competência para fiscalizar contratos administrativos, podem ser aplicadas diversas sanções.
O julgamento pela irregularidade na prestação de contas[9], identificando-se ato ilegal que cause dano aos cofres públicos, tem como consequência a condenação dos responsáveis ao pagamento do débito[10] atualizado monetariamente, acrescido de juros, bem como aplicação de multa[11] de até 100% (cem por cento) do valor atualizado do dano. A Corte de Contas pode ainda decretar o impedimento da empresa celebrar contratos com o Estado por até 5 (cinco) anos.[12]
Na esfera criminal, a vantagem indevida recebida pela empresa no contrato administrativo celebrado com o Estado, pode configurar crime[13] previsto no artigo 92 da Lei nº 8.666/1993, com pena de detenção, de dois a quatro anos, e multa. Se a vantagem indevida for entendida como fraude em prejuízo do Estado, pode ocorrer o crime[14] previsto no artigo 96, inciso V, da Lei nº 8.666/1993, com pena de detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Análise LCT
Foi visto que empresa que celebra contrato com o Governo brasileiro é obrigada a aceitar a modificação unilateral do contrato, para diminuição de quantidade, até o limite de o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato.
Os tribunais brasileiros possuem jurisprudência no sentido de que o poder do Estado de alterar unilateralmente os contratos decorre da preponderância do interesse público sobre o privado, devendo existir justificativa fundamentada e fato superveniente para embasar a modificação.
A manutenção indevida de quantitativos não utilizados pelo órgão público, configurando pagamento por serviços desnecessários, pode acarretar uma série de sanções para a empresa, com grave repercussão nas esferas civil, administrativa e penal. A empresa pode, inclusive, ser impedida de celebrar contratos com o Estado, o que inviabiliza suas atividades no mercado público.
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[1] Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I – unilateralmente pela Administração: […] b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei”.
[2] Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: […] § 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.
[3] STJ. REsp 666.878/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 492.
[4] TCU. Acórdão 297/2005 Plenário.
[5] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Vade-Mécum de Licitações e Contratos. 6. ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 828. Decisão nº 288/1996 – Plenário.
[6] Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992: “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei: […]”.
[7] Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992: “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos”.
[8] Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002: “Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais”.
[9] Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992: “Art. 16. As contas serão julgadas: […] III – irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências: a) omissão no dever de prestar contas; b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico; d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos. […] § 2° Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária: a) do agente público que praticou o ato irregular, e b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado. § 3° Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público da União, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis”.
[10] Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992: “Art. 19. Quando julgar as contas irregulares, havendo débito, o Tribunal condenará o responsável ao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos, podendo, ainda, aplicar-lhe a multa prevista no art. 57 desta Lei, sendo o instrumento da decisão considerado título executivo para fundamentar a respectiva ação de execução”.
[11] Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992: “Art. 57. Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao Erário”.
[12] Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992: “Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal”.
[13] Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: “Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena – detenção, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais”.
[14] Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: “Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:[…] V – tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato: Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”.