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Possibilidade de prorrogação do prazo de entrega ou execução no contrato administrativo

Ao firmar contrato com a Administração Pública, os fornecedores se comprometem em executar o objeto no prazo definido, sob pena de sofrerem as sanções administrativas previstas nas normas relacionadas e no instrumento contratual. Ocorre que existem situações em que o atraso pode ser justificado, situação que exime a irregularidade.

Quando a impossibilidade de adimplemento do prazo de entrega não é atribuível à vontade da empresa contratada, nem mesmo do órgão público que receberia o bem ou serviço, configura-se evento imprevisível que justifica o não cumprimento adequado da obrigação.

Legislação aplicável

A Lei nº 8.666/1993 dispõe que os prazos de conclusão e de entrega admitem prorrogação, principalmente no caso de existência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato ou no cenário de mudanças relevantes providas pela Administração:

Art. 57.  A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: […]
Parágrafo 1o  Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:
I – alteração do projeto ou especificações, pela Administração;
II – superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;
III – interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração;
IV – aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei;
V – impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência;
VI – omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.

A Lei nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações – reduziu o escopo de hipóteses em que é possível a prorrogação de prazos contratuais, para situações de impedimento, ordem de paralisação ou suspensão do contrato:

Art. 115. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, e cada parte responderá pelas consequências de sua inexecução total ou parcial.
[…]
Parágrafo 5º Em caso de impedimento, ordem de paralisação ou suspensão do contrato, o cronograma de execução será prorrogado automaticamente pelo tempo correspondente, anotadas tais circunstâncias mediante simples apostila.

Caso de impedimento pode ser interpretado como impedimento justificado para o cumprimento de obrigações. Já hipóteses de paralisação ou suspensão contratual, podem ser impositivas pela Administração ou decorrentes de ordem judicial.

Por sua vez, a Lei nº 13.655/2018, que deu novos contornos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,[1] estabelece que na interpretação de normas sobre gestão pública, serão ponderadas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a Administração Pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.[2]

Indica-se, portanto, que a prorrogação do prazo de entrega ou execução no contrato administrativo deve ser interpretada e implementada mediante critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Existindo justificativa plausível para o não cumprimento da obrigação no prazo inicialmente previsto, combinada com provas dos fatos supervenientes impeditivos, não se configura irregularidade por parte da contratada ou motivo para aplicação de sanção.

Por obvio, deve a contratada pleitear a dilação do prazo de execução contratual antes do encerramento do termo inicialmente definido, evitando-se, assim, a materialização do descumprimento contratual e suas consequências.

Para se ter completa segurança jurídica, sobretudo em procedimentos regidos pela Nova Lei de Licitações, os licitantes devem se certificar de que existe previsão de prorrogação de prazo para cumprimento de obrigações, no caso de situações repentinas, no edital e no contrato a ser firmado. Em caso de omissão, será necessário apresentar pedido de esclarecimento ou impugnação, para evitar preclusão do direito.

Jurisprudência

O Tribunal de Contas da União – TCU possui entendimento consolidado de que o conhecimento de justificativa plausível para o descumprimento do contrato é suficiente para a não autuação de processo de aplicação de sanção:

[…]
51. Destaco apenas que a instauração de procedimento administrativo para aplicação das sanções previstas no art. 7º da Lei 10.520/2002 não se deve dar automaticamente, ou seja, todas as vezes em que ocorrer uma das condutas ali previstas. Tal prática poderia comprometer seriamente a atuação administrativa das unidades jurisdicionadas, em razão do provável grande volume de processos a gerir.
52. Considero apropriado, portanto, orientar as unidades para que instaurem tais procedimentos sempre que as licitantes incorrerem injustificadamente nas práticas previstas na aludida norma. Será evitada, assim, a autuação de processos nos casos em que, desde o início, já é conhecida pela Administração justificativa plausível para o suposto comportamento condenável.[3]

Dessa forma, avalia-se que, inexistindo antecedentes negativos por parte da empresa que motivadamente descumpra o prazo de execução definido no contrato; inexistindo dano ao erário causado pela empresa; não se mostra razoável a autuação de processo de aplicação de sanções. Na realidade, deve o órgão contratante acatar a prorrogação do prazo de entrega, sem a aplicação de penalidade.

Análise LCT

A pandemia do Coronavírus foi um exemplo relevante de situação que efetivamente interferiu substancialmente na adequada execução de diversos contratos públicos. Tanto que a Confederação Nacional da Indústria – CNI elaborou estudo demonstrando que as empresas tiveram extrema dificuldade em adquirir insumos ou matéria-prima, o que prejudicou a produção e o atendimento satisfatório das demandas.[4]

Do mesmo modo, podem ser citadas outras situações mais usuais para o atraso na entrega de bens ou execução de serviços, como demora no fornecimento de fabricante, intercorrências externas de logística, greve de serviços essenciais de abastecimento, entre outras.

Havendo qualquer evento imprevisível que comprometa o adequado cumprimento do contrato administrativo, certo é que os normativos que tratam sobre o tema permitem que as empresas requeiram a prorrogação do prazo de conclusão ou até mesmo reequilíbrio ou rescisão do contrato.

Configurando-se motivos ensejadores de atrasos na execução contratual, impostos pela Administração Pública ou inesperados no decorrer da relação, precisa a empresa contratada apresentar requerimento administrativo de prorrogação de prazo, tempestivamente, justificando a existência do fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, com impacto nas condições contratuais. Sendo a justificativa plausível, ou seja, razoável e proporcional, e acompanhada de provas, deve ser aceita pela Administração, aprovando a dilação do prazo de entrega do material ou execução do serviço.

__________

[1] Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
[2] Decreto-Lei nº 4.657/1942 […] Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. § 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
[3] TCU – Acórdão nº 754/2015 – Plenário
[4] Estudo Confederação Nacional da Indústria – CNI: […] Mais da metade da Indústria está com dificuldade para atender sua demanda O percentual de empresas da Indústria de Transformação ou Extrativa com dificuldade para atender seus clientes aumentou de 44% para 54%, entre outubro e novembro. Entre os 27 setores de atividade da Indústria de Transformação considerados, em 19 o percentual de empresas com dificuldade para atender a demanda é pelo menos 50%, ou seja, o problema atinge metade ou mais empresas de cada setor. Na sondagem de outubro, tínhamos 10 setores nessa situação. A dificuldade para atender a demanda dos clientes continua sendo maior no setor de Móveis. Em novembro, 81% das empresas do setor encontravam dificuldades para atender seus clientes, ante 70% em outubro. […] A falta de insumos e/ou matérias-primas é o principal motivo para a dificuldade de as empresas aumentarem a produção e, consequentemente, atenderem a demanda, como apurado na Sondagem Especial 781, realizada em outubro. Em novembro, 75% empresas das Indústria de Transformação e Extrativa enfrentaram dificuldades para conseguir insumos domésticos, sendo que 25% das empresas enfrentou muita dificuldade. As proporções superam as registradas em outubro, ou seja, o problema se agravou. Em outubro, 68% das indústrias estavam enfrentando dificuldades para conseguir insumos ou matérias-primas produzidas no país, sendo que 24% afirmaram ter muita dificuldade. O percentual de empresas com dificuldades aumentou para todos os portes. Entre os setores da Indústria de Transformação, mais uma vez se destaca Móveis, no qual 95% das empresas relatam ter enfrentado dificuldades para conseguir insumos e matérias-primas (eram 92% das empresas em outubro). O percentual de empresas com muita dificuldade passou de 49% para 58%.

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