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Possibilidade de contrato administrativo firmado pela matriz ser executado por filial

Possibilidade de contrato administrativo firmado pela matriz ser executado por filial

No âmbito dos contratos administrativos, comumente surge dúvida sobre a possibilidade de que uma filial da empresa contratada execute os serviços e/ou tenha emissão da nota fiscal em seu nome, considerando que a matriz participou do procedimento licitatório e firmou o contrato administrativo decorrente.

Precipuamente, é necessário esclarecer que matriz e filial constituem estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica, unificados para o desenvolvido da atividade comercial. Em termos de Direito Civil, trata-se de alocação de domicílio na pessoa jurídica, prevendo o art. 75, § 1º, do Código Civil que “tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados”.

Em conta de métricas de mercado e de norma da Receita Federal, apresenta-se a necessidade de que todos os estabelecimentos de uma empresa sejam inscritos no CNPJ.[1] Essa obrigação, entretanto, não possui condão de cindir a empresa, até porque a inscrição da filial no mencionado cadastro deriva da própria matriz.

De plano, não se vislumbra vedação à execução por filial de serviço em contrato firmado entre matriz e órgão da Administração Pública, ou vice-versa, tratando-se de unidades da mesma pessoa jurídica. A definição de qual estabelecimento presta o serviço e emite nota fiscal ocorre em razão da otimização da atividade empresarial.

Ressalva-se apenas que é pertinente observar a regra, nas contratações efetuadas pela Administração Pública, de que a contratada deve manter as condições de habilitação para todo estabelecimento por meio do qual os serviços serão executados.

Por ocasião de realização do procedimento licitatório, exige-se uniformidade na apresentação dos documentos de habilitação, que devem ser apresentados todos em nome da matriz ou da filial, não sendo permitido usar parte de documentação para um ou outro estabelecimento. Trata-se de disposição expressa no art. 55, inc. XIII, da Lei nº 8.666/1993:

Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: […]

XIII – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.

O dispositivo também é previsto na Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) nos seguintes termos:

Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam: […]

XVI – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições exigidas para a habilitação na licitação, ou para a qualificação, na contratação direta;

Marçal Justen Filho leciona que “[…] se o sujeito se sagrar vencedor e vier a ser contratado, deverá necessariamente executar a prestação contratual por meio da unidade empresarial cuja regularidade fiscal foi comprovada na licitação. Se, porventura, o sujeito pretender executar a prestação por meio de outra unidade empresarial, deverá comunicar essa circunstância à Administração, comprovando que a unidade substituta se encontra em situação regular”.[2]

Nesse sentido, mostra-se a jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal de Contas da União – TCU:

    1. […] a título de exemplo, a matriz pode apresentar débito e a filial não, e vice-versa. Deste modo, para fins licitatórios, os documentos de habilitação de licitante devem ser apresentados em nome da matriz ou da filial, não sendo permitido apresentar parte em nome da matriz e parte em nome da filial. 14. Acrescente-se que, se a matriz participa da licitação, todos os documentos de regularidade fiscal devem ser apresentados em seu nome e de acordo com o seu CNPJ. Ao contrário, se a filial é que participa da licitação, todos os documentos de regularidade fiscal devem ser apresentados em seu nome e de acordo com o seu próprio CNPJ. (…) 20. Pelo exposto, tanto a matriz, quanto à filial, podem participar de licitação e uma ou outra pode realizar o fornecimento, haja vista tratar-se da mesma pessoa jurídica. Atente-se, todavia, para a regularidade fiscal da empresa que fornecerá o objeto do contrato, a fim de verificar a cumprimento dos requisitos de habilitação.[3]

Necessário esclarecer que em certas situações é permitido que o recolhimento de tributos seja efetuado da maneira centralizada, ocorrendo a apresentação de certidões no CNPJ da matriz em benefício da filial, comprovada a unicidade da arrecadação. Algumas certidões como de INSS e conjuntas de tributos da Receita Federal, por exemplo, podem ser emitidas em nome da matriz e possuem validade para as filiais.

Já a comprovação da regularidade pelas filiais depende da natureza da certidão, podendo ser do CNPJ na própria filial ou pelo CNPJ da matriz quando expressamente autorizado.

No âmbito do Judiciário, identifica-se posicionamento representado em precedente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na linha de que é possível a execução de contrato pela filial, quando a habilitação examinada na licitação foi da matriz, desde que seja demonstrada a regularidade fiscal de ambos os estabelecimentos:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO AJUIZADA CONTRA O MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA. EMPRESA VENCEDORA DE LICITAÇÃO. PARTICIPAÇÃO E HABILITAÇÃO COM CNPJ DA MATRIZ. EXECUÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO PELA FILIAL. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL TAMBÉM PELA FILIAL PARA OBTENÇÃO DO PAGAMENTO. CONDUTA ACERTADA DA ADMINISTRAÇÃO. LEI 8.666/93. PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS. HONORÁRIOS. ADVOCATÍCIOS. PROVEITO ECONÔMICO. ART. 85, § 3º, DO CPC. – Não há vedação legal e nem proibição do TCU para que a filial execute o contrato firmado pela empresa, ainda que no momento da licitação, o CNPJ utilizado tenha sido o da matriz, desde que seja apresentada a certidão de regularidade fiscal abrangendo ambos os estabelecimentos, demonstrando-se o cumprimento de tal requisito de habilitação, em obediência ao disposto no art. 55, XIII, da Lei 8.666/93.[4]

Verifica-se, portanto, que não há vedação legal, tampouco proibição dos tribunais de contas, para que a filial execute o contrato firmado pela empresa, ainda que no momento da licitação o CNPJ utilizado tenha sido o da matriz, desde que seja demonstrada a regularidade fiscal de ambos os estabelecimentos, cumprindo-se a manutenção dos requisitos de habilitação, de acordo com o art. 55, inc. XIII, da Lei 8.666/1993 e art. 92, inc. XVI, da Lei nº 14.133/2023 (Nova Lei de Licitações).

Apesar de não ser necessário, caso o órgão da Administração entenda pela necessidade de formalizar o procedimento, as partes podem celebrar termo aditivo. A alteração em evidência tem amparo no art. 65, inc. II, alínea “b”, da Lei nº 8.666/1993, como também no art. 124, inc. II, alínea “b” da Lei nº 14.133/2021, na medida em que os contratos podem ser alterados, por acordo entre as partes, quando necessária a modificação do regime de execução ou o modo de fornecimento, diante da inaplicabilidade dos termos contratuais estritamente originários.[5]


[1] Instrução Normativa nº 2119/2022 da Receita Federal: “Art. 4º Todas as entidades domiciliadas no Brasil estão obrigadas a se inscrever no CNPJ, bem como cada um de seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades, conforme Anexo I. § 1º Os estados, o Distrito Federal e os municípios devem ter uma inscrição no CNPJ, na condição de estabelecimento matriz, que os identifique como pessoa jurídica de direito público. § 2º Estão também obrigadas à inscrição as entidades domiciliadas no exterior relacionadas nos incisos XVI e XVII do Anexo I desta Instrução Normativa. § 3º A entidade pode alterar a inscrição de qualquer um de seus estabelecimentos filiais para enquadrá-lo na condição de matriz.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 18ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 704.

[3] TCU. Acórdão 3056/2008 – Plenário.

[4] TJMG. AC: 10702150570480001 MG, Relator: Wagner Wilson, Data de Julgamento: 31/10/2019, Data de Publicação: 08/11/2019.

[5] Lei nº 8.666/1993: “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: […] II – por acordo das partes: […] b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face da verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários”. Lei nº 14.133/2021: “Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: […] II – por acordo entre as partes: […] b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou do serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários”.

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