Em sessão plenária realizada em 22.03.2023, o TCU julgou o Processo TC 000.586/2023-4, que trata de representação sobre os marcos temporais para incidência da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações).
O caso tratou determinação do Ministro Antônio Anastasia para que a Secretaria Geral de Controle Externo (Segecex) da Corte promovesse estudos sobre o prazo de vigência das regras previstas nos estatutos de licitações a serem revogados pela Lei nº 14.133/2021.
O art. 191 da Nova Lei de Licitações instituiu regra de transição entre diplomas, no sentido de que, durante o período de 2 (dois) anos a partir da vigência na Nova Lei em 01.04.2021, os gestores públicos poderiam escolher pela aplicação da Nova Lei ou manter a opção pelo regramento posto, composto pela Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações), Lei nº 10.520/2022 (Lei do Pregão) e Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC):
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Nesse contexto, a Advocacia-Geral da União emitiu o Parecer nº 6/2022, com entendimento de que o momento da opção de escolha dos regimes jurídicos deveria ser “a manifestação pela autoridade competente, ainda na fase preparatória, que opte expressamente pela aplicação do regime licitatório anterior”. Ocorre que o parecer da AGU não especificou em que momento ou em qual documento deveria constar tal opção pela utilização do regime licitatório.
Em março de 2023, a Secretaria de Gestão e Inovação, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (SEGES/MGI), editou a Portaria nº 720/2023 fixando regime de transição no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, na linha de que a opção em evidência deveria constar na fase preparatória da contratação:
Art. 2º Os processos licitatórios e contratações autuados e que forem instruídos até 31 de março de 2023, com a opção expressa nos fundamentos das Leis nº 8.666, de 21 de junho de 1993, nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e dos artigos 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, inclusive os derivados do sistema de registro de preços, serão por elas regidas, desde que as respectivas publicações ocorram até 1º de abril de 2024, conforme cronograma constante no Anexo.
§ 1º A opção por licitar com fundamento na legislação a que se refere o caput deverá constar expressamente na fase preparatória da contratação e ser autorizada pela autoridade competente até o dia 31 de março de 2023.
§ 2º Os contratos ou instrumentos equivalentes e as atas de registro de preços firmados em decorrência da aplicação do disposto no caput persistirão regidos pela norma que fundamentou a respectiva contratação, ao longo de suas vigências.
O Ministro Anastasia, que foi o relator no Senado do projeto de lei que culminou com o novo Estatuto de Licitações, identificou risco de dilação de prazo excessiva na aplicação do regramento precedente, em vista da indefinição do termo “optar por licitar”. A Corte de Contas buscou então definir quando pode ser feita a opção em referência, se poderia ser na instauração do processo licitatório, elaboração do termo de referência, publicação do edital, ou ainda em outro momento.
Ao realizar estudo sobre o tema, a Segecex propôs que a interpretação fosse de que a escolha do regime teria que ser definida na etapa preparatória da contratação, sob o argumento de que o termo de referência seria o limite lógico para a opção, considerando que trata de todo o conteúdo da disciplina contratual.
O Ministro Augusto Nardes, relator da representação no TCU, destacou em seu voto que a fase preparatória antecede a divulgação do edital, motivo pelo qual a “opção por licitar” é anterior à publicação do edital:
24. Diversas das informações demandadas na fase preparatória exigem a definição prévia da opção por licitar de acordo com a lei escolhida, a exemplo do “regime de fornecimento de bens, de prestação de serviços ou de execução de obras” e da “a modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa”.
25. Pressuposto lógico desses exemplos é que a elaboração do edital de licitação somente é possível após a indicação do normativo a ser utilizado que, por sua vez, irá balizar um conjunto de ferramentas previsto em cada uma das leis.
Esclareceu o Ministro Nardes também ser necessário definir uma data limite para a publicação do edital, sob o risco de se “eternizar” a utilização das Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011. E se utilizou do princípio do planejamento – inovação trazida pela Nova Lei – para trazer o embasamento sobre a data limite de publicação do instrumento convocatório:
41. Compreendo que o legislador estruturou o processo de contratação com a lógica de um plano anual atrelado ao plano estratégico e à lei orçamentária, ou seja, todas as ações para a realização de uma licitação devem estar inseridas em cada exercício.
42. Por esses motivos, a opção por licitar também deve estar no contexto de um plano anual, mesmo para aqueles órgãos e entidades que não implementaram formalmente a materialização desse plano.
43. Nesse contexto, avalio que os processos licitatórios que tiveram a opção por licitar antes da data de 1º de abril também devem estar alinhados a lógica do plano anual, razão pela qual entendo que devem ter seus editais publicados até 31/12/2023.
44. Ou seja, de acordo com a mencionada lógica de planejamento, as licitações cujos editais serão publicados somente em 2024 serão previstas, inicialmente, em Plano de Contratações a ser elaborado no decorrer deste ano (2023), já encerrado o prazo de transição previsto na Lei 14.133/2021.
45. De modo igual, todas essas licitações que ocorrerão no ano vindouro deverão ter seus correspondentes recursos estimados na respectiva Lei Orçamentária Anual (LOA/2024), cuja elaboração e tramitação também se dará integralmente em momento posterior ao prazo final de transição da nova lei de licitações (31/3/2023).
46. Com efeito, se toda essa fase de planejamento e de previsão orçamentária vai se dar após a finalização do prazo de transição da Lei 14.133/2021, não me parece razoável admitir que tais licitações ainda possam ter seus editais publicados sob regras licitatórias já revogadas.
47. Destarte, caso não seja possível a publicação do Edital no intervalo de nove meses entre a data de 1º/4 e de 31/12/2023, os órgãos deverão revisar seus processos, ajustando-os aos comandos da Lei 14.133/2021.
O Plenário da Corte, por unanimidade, firmou entendimento no Acórdão nº 507/2023 com os seguintes pontos:
a) a expressão legal “opção por licitar ou contratar” contempla a manifestação pela autoridade competente que opte expressamente pela aplicação do regime licitatório anterior (Lei nº 8.666/1993, Lei nº 10.520/2002 e Lei nº 12.462/2011), ainda na fase interna, em processo administrativo já instaurado;
b) os processos licitatórios e os de contratação direta nos quais houve a “opção por licitar ou contratar” pelo regime antigo (Lei 8.666/1993, Lei 10.520/2002 e arts. 1º a 47-A da Lei 12.462/2011) até a data de 31/3/2023 poderão ter seus procedimentos continuados com fulcro na legislação pretérita, desde que a publicação do Edital seja materializada até 31/12/2023; e
c) os processos que não se enquadrarem nas diretrizes estabelecidas no subitem anterior deverão observar com exclusividade os comandos contidos na Lei 14.133/21.
O precedente do TCU traz segurança jurídica para os atores envolvidos nas contratações públicas, tanto gestores como licitantes, na medida em que estabelece com precisão o marco temporal de aplicação dos regimes jurídicos, as regras e período incidentes em cada caso. Uniformiza-se, em boa medida, o entendimento sobre o tema. No âmbito da Administração Pública, há tempos se mostra essencial a previsibilidade nas relações jurídicas.
Fonte: TCU