Comentando o TCU nº 7. Acórdão nº 1757/2022 – Plenário. 31.01.2023.
Jurisprudência:
Acórdão 1757/2022 Plenário (Representação, Relator Ministro Bruno Dantas) Licitação.
Competitividade. Restrição. Exigência. Escritório. Local. É irregular a exigência de que o contratado instale escritório administrativo, ou outro tipo de estrutura física, em localidade específica sem a demonstração de que tal medida seja imprescindível à adequada execução do objeto licitado, devido ao potencial de restringir o caráter competitivo da licitação, afetar a economicidade do contrato e ferir o princípio da isonomia (art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993 e arts. 5º e 9º, inciso I, alíneas a, b e c, da Lei 14.133/2021).
Comentário LCT:
Constituem pressuposto e propósito da licitação, sedimentados ao longo dos anos na legislação, a seleção da proposta mais vantajosa e a garantia da isonomia entre licitantes.[1]
A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ao dispor sobre as regras das licitações e contratos administrativos, é categórica ao vedar que os agentes públicos incluam nas exigências para a participação no certame, cláusulas editalícias que frustrem ou restrinjam o caráter competitivo.[2]
No mesmo sentido, a Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133, de abril de 2021 –, disciplina que aqueles que atuam na área de licitações e contratos não poderão praticar atos que sejam impertinentes ou irrelevantes para o objeto específico do contrato, nem mesmo estabelecer preferências ou distinções em razão da sede ou do domicílio dos licitantes, que acabem por comprometer, restringir ou frustrar à competitividade do processo licitatório.[3]
A Instrução Normativa nº 5, de 26 de maio de 2017, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, por sua vez, ao tratar sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, disciplina que poderá ser exigida do licitante, para efeito de qualificação técnico-operacional, declaração de que possui ou instalará, para o início do contrato, escritório em local previamente definido pela Administração.[4]
Não obstante as disposições da referida Instrução Normativa nº, mostra-se apropriado que a Administração verifique se a cobrança de implantação de escritório não tem o potencial de restringir o caráter competitivo do certame, na medida em que tal exigência pode desestimular a participação de empresas que não queiram incorrer em custos de implantação no local indicado pelo órgão ou entidade, por desnecessidade à execução do objeto contratual ou por inviabilidade de cumprimento no prazo previsto.
Caso a Administração Pública decida pela inclusão de tal exigência, deve apresentar justificativa plausível nos autos do processo administrativo que fundamenta a licitação. Não existe espaço para justificativas genéricas acerca da exigência de escritório local, devendo ser feito exame detalhado do eventual impacto no preço contratado.
Ou seja, ainda que a exigência de implantação de escritório local esteja na esfera da discricionariedade do órgão ou entidade, deve haver o devido fundamento, ainda mais quando ocorrer potencial restrição ao caráter competitivo do certame e ferir o princípio da isonomia, evitando-se a inobservância do art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993 ou arts. 5º e 9º, inciso I, alíneas a, b e c, da Lei 14.133/2021.
Em 2020, embasado na Lei nº 8.666/1993 – norma geral vigente à época –, o Tribunal de Contas da União – TCU se manifestou sobre o tema, por meio do Acórdão nº 2.274/2020 – Plenário, com enfoque no prazo determinado para instalação de estrutura física:
[…] a exigência de que os licitantes instalem escritório na cidade de Cuiabá ou Várzea Grande no prazo máximo de sessenta dias a partir da vigência do contrato, estabelecida no item 12.2.2 do Edital do Pregão Eletrônico 34/2020, sem a devida demonstração de que seja imprescindível para a garantia da adequada execução do objeto licitado, e/ou, considerando os custos a serem suportados pela contratada, sem avaliar a sua pertinência frente à materialidade da contratação e aos impactos no orçamento estimativo e na competitividade do certame, entre outros exames, tem o potencial de restringir o caráter competitivo da licitação, afetar a economicidade do contrato e ferir o princípio da isonomia, em ofensa ao art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei 8.666/93, assim como à jurisprudência deste Tribunal;[5]
Recentemente, com o advento da Lei nº 14.133/2021, o TCU reforçou a jurisprudência sobre o tema, firmando entendimento de que é “irregular a exigência de que o contratado instale escritório administrativo, ou outro tipo de estrutura física, em localidade específica sem a demonstração de que tal medida seja imprescindível à adequada execução do objeto licitado, devido ao potencial de restringir o caráter competitivo da licitação, afetar a economicidade do contrato e ferir o princípio da isonomia (art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993 e arts. 5º e 9º, inciso I, alíneas a, b e c, da Lei 14.133/2021). [Acórdão 1757/2022 Plenário].
Observa-se que a orientação da Corte de Contas se apresenta em confluência com a realidade dos tempos atuais, em um mundo pós pandemia do Covid-19, em que houve catalisação diversos processos de tecnologia e transformações de tipos de interações sociais. Atualmente, já é costumeiro que as empresas se organizem de forma preponderantemente digital, executando os serviços com maior celeridade e eficiência.
Nesse sentido, a Administração Pública deve ficar atenta ao tema, evitando incluir no edital a exigência de instalação de escritório em localidade específica, sem que haja justificativa plausível. Do mesmo modo, os licitantes também devem ter ciência do entendimento da Corte de Contas, caso se deparem com infundada exigência em instrumento convocatório.
[1] Lei nº 8.666/1993: […] Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Lei nº 14.133/2021: […] Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
[2] Lei nº 8.666/1993: […] Art. 3o […]§ 1o É vedado aos agentes públicos: […] I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;
[3] Lei nº 14.133/2021: […] Art. 9º É vedado ao agente público designado para atuar na área de licitações e contratos, ressalvados os casos previstos em lei: I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que: a) comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do processo licitatório, inclusive nos casos de participação de sociedades cooperativas; b) estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes; c) sejam impertinentes ou irrelevantes para o objeto específico do contrato;
[4] Instrução Normativa nº 5/2017: […] ANEXO VII-A DIRETRIZES GERAIS PARA ELABORAÇÃO DO ATO CONVOCATÓRIO […] 10.6. Na contratação de serviço continuado, para efeito de qualificação técnico-operacional, a Administração poderá exigir do licitante: a) declaração de que o licitante possui ou instalará escritório em local (cidade/município) previamente definido pela Administração, a ser comprovado no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contado a partir da vigência do contrato;
[5] TCU – Acórdão 2.274/2020 – Plenário