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Contratação direta por dispensa em caso de licitação fracassada e prazo de 8 (oito) dias para apresentação de propostas corrigidas.

Comentando o TCU nº 3. Acórdão nº 756/2022 – Plenário. 19.07.2022.

Jurisprudência:

Acórdão nº 756/2022 – Plenário (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer)
Licitação. Dispensa de licitação. Licitação fracassada. Proposta. Renovação. Prazo.
É irregular a contratação direta com fundamento em licitação fracassada sem que antes tenha sido concedido o prazo de oito dias úteis às empresas participantes do certame para apresentação de outras propostas escoimadas das falhas que ensejaram a desclassificação (art. 24, inciso VII, c/c art. 48, § 3º, da Lei 8.666/1993).

Ao apreciar relatório de auditoria que teve por escopo apurar irregularidades na condução de processos licitatórios no âmbito do Instituto Militar de Engenharia (IME), o Plenário do TCU, por meio do Acórdão 640/2015, retificado pelo Acórdão 1182/2015, determinou a instauração de tomada de contas especial. Entre as irregularidades investigadas nessa TCE, mereceu destaque a “realização da Dispensa de Licitação 002/2009, para a reforma do Rancho do IME, orçada em R$ 557.348,50, com fundamento em licitação fracassada (art. 24, inciso VII, c/c art. 48, § 3º, da Lei 8.666/1993), sem que tivesse sido concedido o prazo de oito dias às empresas participantes da licitação para apresentação de outras propostas escoimadas das falhas”. A aludida reforma havia sido licitada mediante o Pregão 46/2009, em 7/12/2009, porém todas as propostas enviadas apresentaram montantes superiores ao orçado (R$ 557.348,50). Como não houvera redução dos valores propostos pelas licitantes, dias após, em 18/12/2009, foi lançado o Pregão 76/2009, com objeto idêntico, o qual, no entanto, acabou sendo “abandonado” para a realização do procedimento de dispensa de licitação, com fundamento no art. 24, inciso VII, da Lei 8.666/1993. Ouvido em audiência, o ordenador de despesas do IME aduziu, em síntese, que a dispensa de licitação fora motivada pelo exíguo prazo para término do exercício financeiro, e que a empresa contratada teria sido a única a concordar em realizar a obra de reforma do rancho pelo preço de referência estimado no projeto básico (R$ 557.348,50). Ao apreciar a matéria, o relator ressaltou a responsabilidade do ordenador de despesas do IME pela realização de dispensa de licitação em descumprimento aos arts. 24, inciso VII, e 48, § 3º, da Lei 8.666/1993, dispositivos que foram transcritos em sua proposta de deliberação: “Art. 24. É dispensável a licitação: VII – quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, observado o parágrafo terceiro do art. 48 desta Lei e, persistindo a situação, será admitida a adjudicação direta dos bens ou serviços, por valor não superior ao constante do registro de preços, ou dos serviços.” […] “Art. 48. Serão desclassificadas: (…) § 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis.”. Com base nesses dispositivos legais, o relator considerou que a dispensa de licitação seria admitida se, na hipótese de haver certame anterior com preços incompatíveis e transcorrido o prazo de oito dias úteis para a apresentação de novas propostas, ainda persistisse tal situação. Ponderou, contudo, que, no caso concreto, o processo de Dispensa de Licitação 002/2009 “foi reconhecido e ratificado” em 14/12/2009, apenas cinco dias úteis após a licitação fracassada, ou seja, antes do prazo legal de oito dias úteis. Tal falha, para o relator, acarretara a celebração de avença com a empresa contratada em detrimento de possíveis outras empresas que eventualmente pudessem apresentar melhores ofertas para o IME. Entendeu ainda que a justificativa do ordenador de despesas para deixar de esgotar todos os meios possíveis para a realização de um certame com ampla concorrência, com base no exíguo prazo para término do exercício financeiro, não seria suficiente para justificar a irregularidade. A responsabilidade no caso, arrematou o relator, deveria ser atribuída não só ao ordenador de despesas, que reconhecera a dispensa e celebrara o contrato, mas também ao parecerista jurídico, igualmente ouvido em audiência, por não haver chamado a atenção, em seu parecer, para o não cumprimento do disposto no art. 48, § 3º, da Lei 8.666/1993. Assim sendo, nos termos propostos pelo relator, o Plenário decidiu aplicar ao ordenador de despesas e ao parecerista jurídico, por essa e outras irregularidades que lhes foram imputadas na TCE, a multa prevista no art. 58, inciso I, da Lei 8.443/1992, sem prejuízo do julgamento das contas de ambos pela irregularidade.

Acórdão 756/2022 Plenário, Tomada de Contas Especial, Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer.

Comentário LCT:

A realização de procedimento licitatório visa a ampliação da disputa entre os interessados, resguardados o interesse público, o princípio da isonomia, a finalidade e a adequada execução contratual, devendo ser a regra aplicada pela Administração Pública em suas contratações. As hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, permitidas em lei, devem ser exceções, ou seja, aplicadas em casos específicos e devidamente fundamentadas.

Sendo iniciada a licitação, necessita o órgão ou entidade viabilizar todos os meios e procedimentos para que o certame seja concluído, com a escolha da melhor proposta para a execução do objeto pretendido.

Nesse sentido, o art. 48, § 3º, da Lei nº 8.666/1993, ao tratar sobre procedimentos de verificação dos documentos dos concorrentes, no decorrer da disputa por meio de concorrência, tomada de preços, leilão e concurso, dispõe que a administração poderá fixar o prazo de 8 (oito) dias úteis para a reapresentação documentação ou de outras propostas, quando todos os licitantes forem inicialmente inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas. Na modalidade convite, a norma faculta a redução deste prazo para 3 (três) dias úteis.[1]

A Lei nº 10.520/2002, ao tratar sobre a modalidade pregão, não disciplina expressamente sobre a possibilidade de reenvio de propostas e documentação de habilitação, quando todos os licitantes forem desclassificados ou inabilitados. Apesar disso, como a Lei nº 8.666/1993 é aplicada de forma subsidiária ao pregão, a regra prevista no art. 48, § 3º, da Lei Geral também se aplica em tal modalidade.[2] Essa métrica é confirmada pela jurisprudência do TCU [Acórdão nº 1946/2016 Plenário].

De acordo com a Corte de Contas, a regra indicada no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.666/1993 não pode ser aplicada a licitantes já excluídos em outras etapas no curso da licitação, de modo que ou se aplica aos licitantes desclassificados, ou se aplica aos licitantes inabilitados [TCU – Acórdão 429/2013 – Plenário].

Não obtendo êxito na escolha de fornecedor no certame, mesmo após a reabertura de prazo para envio de proposta ou documentação de habilitação, a Administração deverá realizar nova licitação ou realizar contratação por dispensa, desde que se encaixe no rol taxativo previsto no art. 24 da Lei nº 8.666/1993.

Uma das hipóteses de dispensa de licitação que pode ser aplicada pela Administração, quando a licitação não for exitosa, está prevista no inc. VII do art. 24 da Lei nº 8.666/1993:

 

Art. 24. É dispensável a licitação:
[…]
VII – quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, observado o parágrafo terceiro do art. 48 desta Lei e, persistindo a situação, será admitida a adjudicação direta dos bens ou serviços, por valor não superior ao constante do registro de preços, ou dos serviços.

 

Como demonstrado, apenas será aplicada a dispensa do inc. VII quando a licitação for fracassada – todos os licitantes forem desclassificados ou inabilitados – e, necessariamente, que a Administração tenha oportunizado o prazo previsto no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.666/1993.

É precisamente esse o entendimento proferido pelo TCU no Acórdão nº 756/2022 – Plenário, ora comentado no sentido de que “a dispensa de licitação seria admitida se, na hipótese de haver certame anterior com preços incompatíveis e transcorrido o prazo de oito dias úteis para a apresentação de novas propostas, ainda persistisse tal situação”.

A Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021, apesar de dispor sobre hipótese de dispensa similar à prevista no art. 24, inc. VII, da Lei nº 8.666/1993, não trata especificamente sobre a permissão de reapresentação de proposta ou de documentação de habilitação nos certames fracassados. Observe-se:

 

Art. 75. É dispensável a licitação: […]
III – para contratação que mantenha todas as condições definidas em edital de licitação realizada há menos de 1 (um) ano, quando se verificar que naquela licitação:
a) não surgiram licitantes interessados ou não foram apresentadas propostas válidas;
b) as propostas apresentadas consignaram preços manifestamente superiores aos praticados no mercado ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes;

 

Apesar de não existir dispositivo expresso na Nova Lei de Licitações sobre a reabertura de prazos antes da declaração da licitação como fracassada e da realização da contratação por dispensa, entende-se pela viabilidade de sua aplicação com base nos princípios da eficiência, do interesse público, da eficácia, da motivação, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade e da economicidade, uma vez que se evitará, assim, o gasto com a realização de novo processo de contratação, aproveitando os demais atos da licitação já em curso, sempre objetivando a melhor contratação para a Administração Pública e diminuindo a probabilidade de questionamentos dos órgãos de controle.


[1] Lei nº 8.666/1993: […] Art. 48.  Serão desclassificadas: […] § 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis.   
[2] Lei nº 8.666/1993: […] Art. 9º  Aplicam-se subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.


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