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Comentando o TCU nº 13. Acórdão nº 1153/2024 – Plenário

Comentando o TCU nº 13. Acórdão nº 1153/2024 – Plenário

Assunto:

Licitação. Qualificação técnica. Atestado de capacidade técnica. Soma. Vedação. Justificativa. Capacidade técnico-operacional. Licitação de alta complexidade técnica.

 

Jurisprudência:

Acórdão 1153/2024 – Plenário (Representação)

A vedação ao somatório de atestados para o fim de comprovação da capacidade técnico-operacional deve estar restrita aos casos em que o aumento de quantitativos acarretem incontestavelmente o aumento da complexidade técnica do objeto ou uma desproporção entre quantidades e prazos de execução capazes de exigir maior capacidade operativa e gerencial da licitante e ensejar potencial comprometimento da qualidade ou da finalidade almejadas na contratação, devendo a restrição ser justificada técnica e detalhadamente no respectivo processo administrativo.

 

Comentário LCT:

A Constituição Federal dispõe que a Administração Pública realizará suas contratações, como regra, por meio de procedimento licitatório que assegure a igualdade de condições entre os concorrentes, sendo permitidas exigências de qualificação técnica indispensáveis ao cumprimento das obrigações.[1]

A qualificação técnica, como um dos requisitos para participação das empresas nas licitações, divide-se em operacional e profissional. A capacidade técnico-operacional considera aspectos típicos da pessoa jurídica, como instalações, equipamentos e equipe, enquanto a capacidade técnico-profissional relaciona-se aos profissionais que atuam na empresa.[2]

A Lei nº 8.666/1993, atualmente revogada, disciplinava que nas licitações não seriam admitidas cláusulas ou condições que comprometessem, restringissem ou frustrassem o seu caráter competitivo, ou qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante na especificação do objeto a ser contratado.[3] Além disso, a referida norma ainda dispunha, em relação à qualificação técnica dos licitantes, que a comprovação pela aptidão técnica seria realizada por meio de apresentação de atestados de capacidade técnica.[4]

A norma citada acima não trouxe dispositivo expresso sobre a permissão ou não de somatório de atestados de capacidade técnica para a comprovação da qualificação técnica dos licitantes.

Por sua vez, a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), no art. 67, disciplina que a documentação relativa à qualificação técnica do licitante será comprovada por meio de certidões ou atestados que demonstrem capacidade na execução de serviços similares.[5] Dispõe, ainda, que a exigência de atestados será restrita às parcelas de maior relevância ou valor significativo do objeto da licitação, assim consideradas as que tenham valor individual igual ou superior a 4% (quatro por cento) do valor total estimado da contratação.

De forma distinta da Lei de Licitações revogada, a Lei nº 14.133/2021 tratou sobre o somatório de atestados de capacidade técnica, nos seguintes termos:

Art. 15. Salvo vedação devidamente justificada no processo licitatório, pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio, observadas as seguintes normas:

[…]

III – admissão, para efeito de habilitação técnica, do somatório dos quantitativos de cada consorciado e, para efeito de habilitação econômico-financeira, do somatório dos valores de cada consorciado;

Como visto, a Lei nº 14.133/2021 dispôs sobre a permissão de somatório de atestados de capacidade técnica apenas nos casos de participação de consórcios em licitações.

Mesmo que se entenda, em uma interpretação restritiva do dispositivo, que o somatório de atestados de capacidade técnica apenas será permitido para os consórcios, o Tribunal de Contas da União – TCU, há tempo, vem tratando sobre o tema de forma mais ampla, com jurisprudência no sentido de que o somatório de atestados de capacidade técnica deve ser permitido nos editais das licitações:

Acórdão 1983/2014-Plenário

Não configura irregularidade a inexistência de regra expressa no edital permitindo o somatório de atestados de capacidade técnica. O impedimento à utilização de mais de um atestado é que demanda, além da demonstração do seu cabimento por parte do contratante, estar expressamente previsto no edital.

Em outro julgado, reforçando a regra sobre a permissão de somatório de atestados, a Corte de Contas julgou ser admitida, excepcionalmente, a restrição ao somatório de atestados para a aferição da capacidade técnico-operacional em licitações de serviços de terceirização de mão de obra, alegando-se que atestados de pequenos serviços não comprovariam, mesmo que em conjunto, a capacidade de execução de objetos maiores:

Acórdão 2387/2014-Plenário

Em licitações de serviços de terceirização de mão de obra, é admitida restrição ao somatório de atestados para a aferição da capacidade técnico-operacional das licitantes, pois a execução sucessiva de objetos de pequena dimensão não capacita a empresa, automaticamente, para a execução de objetos maiores. Contudo, não cabe a restrição quando os diferentes atestados se referem a serviços executados de forma concomitante, pois essa situação se equivale, para fins de comprovação de capacidade técnico-operacional, a uma única contratação.

Em Acórdão mais recente, o TCU entendeu que a vedação de atestado de capacidade técnica deve ser motivada nos autos do processo administrativo da licitação, restringindo o somatório em casos de objetos mais complexos, de grandes quantidades, em que diversos documentos técnicos não seriam suficientes para comprovar a qualidade ou finalidade almejadas na contratação:

Acórdão 1153/2024 – Plenário (Representação)

A vedação ao somatório de atestados para o fim de comprovação da capacidade técnico-operacional deve estar restrita aos casos em que o aumento de quantitativos acarretem incontestavelmente o aumento da complexidade técnica do objeto ou uma desproporção entre quantidades e prazos de execução capazes de exigir maior capacidade operativa e gerencial da licitante e ensejar potencial comprometimento da qualidade ou da finalidade almejadas na contratação, devendo a restrição ser justificada técnica e detalhadamente no respectivo processo administrativo.

O precedente está em sintonia com a jurisprudência consolidada da Corte de Contas e com os princípios da Lei nº 14.133/2021, os quais exigem a motivação e a transparência dos atos administrativos, além de estar em consonância com o disciplinado na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942), a qual estabelece que na esfera administrativa não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, devendo a motivação demonstrar a necessidade e a adequação da medida imposta.[6]

Ao exigir que essa restrição seja devidamente justificada no processo administrativo, busca-se evitar decisões que possam desproporcionalmente limitar a competitividade do certame, violando os princípios da igualdade e isonomia. Assim, a vedação deve estar associada a uma análise técnica detalhada, que demonstre que a soma de pequenos atestados não será capaz de assegurar a execução adequada de serviços de alta complexidade.

A motivação deve, portanto, estar embasada em pareceres técnicos que validem o aumento da complexidade, a fim de proteger o interesse público e garantir a qualidade da contratação. Caso contrário, a ausência de uma justificação técnica detalhada poderia ensejar a nulidade do ato, sob pena de violação da LINDB.

Diante do exposto, torna-se imperativo que os gestores públicos, ao elaborarem os editais de licitação, assegurem que eventuais vedações ao somatório de atestados de capacidade técnica sejam justificadas de forma técnica e documentalmente robusta, especialmente quando envolvem objetos de elevada complexidade técnica ou quantitativa. Cabe aos licitantes fiscalizar e questionar eventuais exigências irregulares.

A adoção da medida restritiva deve ser respaldada por pareceres detalhados, que demonstrem a impossibilidade de aferir a capacidade técnica de licitantes por meio de múltiplos atestados, a fim de garantir a qualidade da contratação e a consecução do interesse público.

Recomenda-se, portanto, que a vedação ao somatório de atestados seja exceção e não regra, preservando-se a competitividade do certame, nos termos da jurisprudência do TCU e em consonância com os princípios da Lei nº 14.133/2021. O gestor deve, assim, pautar-se pela motivação detalhada e transparente, para evitar nulidade do ato administrativo por descumprimento dos requisitos legais e orientações dos órgãos de controle.

 


 

[1] CF: […] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

[2] TCU – Acórdão nº 1865/2017 – Plenário: […]Considerando que consoante o entendimento extraído do Acórdão 2208/2016 – Plenário (jurisprudência selecionada) não se admite a transferência do acervo técnico da pessoa física para a pessoa jurídica, para fins de comprovação de qualificação técnica em licitações públicas, pois a capacidade técnico-operacional (art. 30, inciso II, da Lei 8.666/1993) não se confunde com a capacidade técnico-profissional (art. 30, § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993) , uma vez que a primeira considera aspectos típicos da pessoa jurídica, como instalações, equipamentos e equipe, enquanto a segunda relaciona-se ao profissional que atua na empresa., Considerando, no entanto, que a exigência editalícia em questão dá sinais de que não se trata de exigência de capacidade técnico-operacional, mas tão somente capacidade técnica dos profissionais, uma vez se referir a cláusula editalícia ao disposto no art. 30, § 1º, da Lei 8.666/1993, consoante se deduz da inicial da representante, bem como que se trata da prestação dos serviços de profissional contábil tão-somente, Considerando que a qualificação técnico-operacional corresponde à capacidade da empresa, visto que o dispositivo que trata do assunto, o art. 30, inciso II, da referida lei, refere-se a aspectos típicos desse ente, como instalações, equipamentos e equipe, ao passo que a capacidade técnico-profissional relaciona-se ao profissional que atua na empresa, conforme expresso no art. 30, §1º, inciso I, da lei, que referencia especificamente o profissional detentor do respectivo atestado,

[3] Lei nº 8.666/1993: […] Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.  § 1o  É vedado aos agentes públicos: I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;

[4] Lei nº 8.666/1993: […] Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: I – registro ou inscrição na entidade profissional competente; II – comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; III – comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação; IV – prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso. § 1º A comprovação de aptidão referida no inciso II deste artigo, no caso de licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente certificados pela entidade profissional competente, limitadas as exigências a: a) quanto à capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data da licitação, profissional de nível superior detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos; b) (VETADO) § 1o  A comprovação de aptidão referida no inciso II do “caput” deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas as exigências a: I – capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos;

[5] Lei nº 14.133/2021: […] Art. 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a: […] II – certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei; […] § 1º A exigência de atestados será restrita às parcelas de maior relevância ou valor significativo do objeto da licitação, assim consideradas as que tenham valor individual igual ou superior a 4% (quatro por cento) do valor total estimado da contratação.

[6] Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942: […]  “Art. 20 . Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

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