A fase interna da licitação, conforme estabelecida pela Lei nº 14.133/2021, é crucial para garantir a integridade, eficiência e transparência do processo licitatório. Compreendendo atividades preparatórias como a elaboração de estudos técnicos preliminares, definição do objeto a ser contratado, estimativa de custos e análise de viabilidade técnica e econômica, essa fase culmina com a aprovação dos estudos e a autorização para abertura da licitação.
Um aspecto de vital importância nesta fase é a elaboração dos projetos básico e executivo, que fornecem os elementos técnicos essenciais para a execução de obras ou prestação de serviços. No entanto, surge uma questão fundamental: a participação da empresa responsável por esses projetos na própria licitação para execução do objeto.
A legislação vigente, desde a Lei nº 8.666/1993 até a atual Lei nº 14.133/2021, impõe expressas restrições a essa participação para prevenir conflitos de interesse e garantir a isonomia entre os licitantes. Este texto aborda a impossibilidade de empresas envolvidas na elaboração de projetos básico ou executivo participarem da licitação, analisando o arcabouço legal e as implicações práticas dessa vedação, além de destacar a importância de se observar rigorosamente essas normas para assegurar a lisura e competitividade dos processos licitatórios.
A fase preparatória da licitação abrange a elaboração de estudos técnicos preliminares que subsidiam a definição do objeto a ser contratado, a estimativa de custos, a análise de viabilidade técnica e econômica, e a escolha do tipo de licitação mais adequado. Inclui também a fase de planejamento, onde são definidos os critérios de julgamento, as condições de participação, as exigências de habilitação e as cláusulas do edital.
Nesse contexto, destaca-se a importância da elaboração do termo de referência ou projeto básico, documentos que detalham o objeto da licitação e os requisitos técnicos necessários para sua execução. A fase interna culmina com a aprovação dos estudos e documentos pelo setor competente e a autorização para a abertura da licitação pela autoridade administrativa, conforme o artigo 18 da referida lei. Esses procedimentos visam assegurar a legalidade, a competitividade e a isonomia no processo licitatório, evitando-se possíveis falhas que possam comprometer a contratação pública.
Nessa fase, é imprescindível a elaboração dos projetos básico e executivo, instrumentos que consubstanciam os elementos técnicos necessários para a execução de obra ou prestação de serviço. Esses projetos são fundamentais, pois baseiam-se em estudos que estabelecem a viabilidade técnica do empreendimento, possibilitando uma precisa avaliação de custos, métodos e prazos de execução.
Em regra, a confecção dos projetos básico e executivo pode ser realizada pelo próprio órgão público promotor da licitação, valendo-se de seu corpo técnico. No entanto, em casos de maior complexidade e vulto financeiro, torna-se imperativo contar com o apoio de empresas especializadas na elaboração dos projetos. Nessas situações, é frequente que a empresa contratada para a elaboração do projeto básico manifeste interesse em participar da execução do objeto principal, alegando possuir um conhecimento técnico aprofundado sobre o empreendimento.
A participação da empresa autora do projeto básico na licitação para a execução do objeto principal, contudo, é expressamente vedada, conforme estipulado desde a revogada Lei nº 8.666/1993, no art. 9º, incisos I e II:
Art. 9º Não poderá participar direta ou indiretamente da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:
I – o autor do projeto básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;
II – empresa isoladamente ou em consórcio responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto, ou controlador, responsável técnico ou subcontratado.
O objetivo principal da norma é prevenir a ocorrência de conflitos de interesse e garantir a isonomia entre os licitantes, impedindo que a empresa responsável pelo projeto básico ou executivo obtenha vantagem indevida no certame subsequente. A Lei nº 14.133.2021 (Nova de Licitações e Contratos) manteve a vedação, consolidando a impossibilidade de o autor do projeto básico ou executivo participar da licitação ou execução do contrato, nos seguintes termos:
Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato direta ou indiretamente:
I – autor do anteprojeto, do projeto básico ou do projeto executivo, pessoa física ou jurídica, quando a licitação versar sobre obra, serviços ou fornecimento de bens a ele relacionados;
II – empresa isoladamente ou em consórcio responsável pela elaboração do projeto básico ou do projeto executivo, ou empresa da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, controlador, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto, responsável técnico ou subcontratado, quando a licitação versar sobre obra, serviços ou fornecimento de bens a ela necessários;
III – pessoa física ou jurídica que se encontre, ao tempo da licitação, impossibilitada de participar da licitação em decorrência de sanção que lhe foi imposta;
IV – aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação;
V – empresas controladoras, controladas ou coligadas nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, concorrendo entre si;
VI – pessoa física ou jurídica que, nos 5 (cinco) anos anteriores à divulgação do edital, tenha sido condenada judicialmente com trânsito em julgado por exploração de trabalho infantil, por submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo ou por contratação de adolescentes nos casos vedados pela legislação trabalhista.
§ 1º O impedimento de que trata o inciso III do caput deste artigo será também aplicado ao licitante que atue em substituição a outra pessoa física ou jurídica com o intuito de burlar a efetividade da sanção a ela aplicada, inclusive a sua controladora, controlada ou coligada, desde que devidamente comprovado o ilícito ou a utilização fraudulenta da personalidade jurídica do licitante.
§ 2º A critério da Administração e exclusivamente a seu serviço, o autor dos projetos e a empresa a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo poderão participar no apoio das atividades de planejamento da contratação, de execução da licitação ou de gestão do contrato, desde que sob supervisão exclusiva de agentes públicos do órgão ou entidade.
§ 3º Equiparam-se aos autores do projeto as empresas integrantes do mesmo grupo econômico.
§ 4º O disposto neste artigo não impede a licitação ou a contratação de obra ou serviço que inclua como encargo do contratado a elaboração do projeto básico e do projeto executivo nas contratações integradas e do projeto executivo nos demais regimes de execução.
Em análise ao dispositivo fica nítido o propósito de evitar que empresas envolvidas na elaboração de projetos básicos ou executivos introduzam elementos que direcionem a licitação do objeto principal, incluindo diretrizes ou soluções que lhes permitam obter vantagem competitiva no certame. Essa disposição visa preservar a segregação entre empresas projetistas e executoras de obras e serviços, protegendo a integridade da licitação e prevenindo situações de conflito de interesses ou uso de informações privilegiadas por parte do autor do projeto ou empresa a ele vinculada.
Efetivamente, a participação direta ou indireta do autor do projeto na disputa pela execução do objeto poderia comprometer a isonomia do certame, colocando-o em vantagem em relação aos demais competidores, ou mesmo permitir manipulações intencionais do projeto para favorecer a própria empresa na licitação futura.
Os órgãos públicos, ao promoverem uma licitação, devem observar atentamente os princípios da ampla competitividade e isonomia. A vedação visa proteger a administração contra eventuais práticas de direcionamento que possam ser inseridas por autores de projetos básicos, restringindo a competitividade e favorecendo determinados concorrentes. O acesso privilegiado a informações relevantes pode conferir uma vantagem indevida ao participante, comprometendo a lisura e a competitividade do certame.
O projeto básico ou executivo define os contornos da obra ou serviço a serem licitados posteriormente. Assim, o autor do projeto pode antecipar os possíveis concorrentes e adotar medidas para excluir ou dificultar o acesso de outros interessados, estabelecendo condições que favoreçam sua própria vitória na licitação. Isso pode ocorrer mediante a configuração do projeto com características exclusivas, que somente a empresa autora seria capaz de executar, ou impondo requisitos que lhe proporcionem uma vantagem competitiva.
Dessa forma, configura-se o impedimento do autor do projeto em participar da licitação para execução da obra ou serviço, bem como no fornecimento de bens necessários para tal. Isso significa que a empresa contratada para elaborar o projeto básico ou executivo, ou ainda que atue em colaboração na fase interna da licitação, está impedida de participar da licitação para execução do contrato ou fornecimento dos bens necessários.
A vedação se aplica também quando o projeto for elaborado por consórcio de empresas, alcançando todas as pessoas jurídicas integrantes do consórcio. Essa ampliação da vedação decorre do potencial conflito de interesses que pode envolver empresas do mesmo grupo econômico, caracterizado pela existência de vínculos de controle e coligação entre diversas sociedades.
O Tribunal de Contas da União – TCU compartilha deste entendimento, conforme expresso pelo Ministro Benjamin Zymler no voto condutor do Acórdão nº 1.170/2010-Plenário:
[…] Deve-se nortear a interpretação do dispositivo por um princípio fundamental: existindo vínculos entre o autor do projeto e uma empresa que reduzam a independência daquele ou permitam uma situação privilegiada para essa, verifica-se o impedimento. Por isso, a vedação aplicar-se-á mesmo quando se configurar outra hipótese não expressamente prevista. Isso se dará em todas as hipóteses em que a empresa estiver subordinada à influência do autor do projeto. Assim, se poderá configurar, por exemplo, quando o cônjuge do autor do projeto detiver controle de sociedade interessada em participar da licitação. Em suma, sempre que houver possibilidade de influência sobre a conduta futura da licitante, estará presente uma espécie de “suspeição”, provocando a incidência da vedação contida no dispositivo. A questão será enfrentada segundo o princípio da moralidade. É desnecessário um elenco exaustivo por parte da Lei. O risco de comprometimento da moralidade será suficiente para aplicação da regra.[1]
Em outro precedente, no Acórdão 168/2017-Plenário, de relatoria do Ministro Augusto Nardes, a Corte determinou que a elaboração de plano básico ambiental (PBA) e a execução dos serviços nele previstos por uma mesma empresa contratada em procedimentos licitatórios distintos contraria o disposto no art. 9º, inciso II, da Lei 8.666/1993. Verificou-se que as contratações para elaboração do plano básico ambiental (PBA) e para a realização dos serviços de gestão ambiental da BR-158/MT ocorreram com a mesma empresa em procedimentos licitatórios distintos. Portanto, os quantitativos de serviços previstos para a execução do segundo contrato foram definidos previamente no contrato anterior, ambos conduzidos pela mesma empresa. No voto condutor do julgado, o relator avaliou a impossibilidade jurídica de uma empresa que seja contratada para participar de condicionantes do projeto básico venha a participar da licitação seguinte, anotando que:
A exceção prevista no art. 9º, § 1º, da Lei 8.666/93, refere-se à participação do autor do projeto na licitação de obra ou serviço ou na execução na condição de consultor ou técnico nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento exclusivamente a serviço da Administração interessada. Neste caso, parece claro que existirão duas contratações distintas – a da execução e a do gerenciamento ou fiscalização – conduzidas com base em dois processos licitatórios específicos e, por consequência, dois projetos básicos diferentes. O primeiro projeto definirá os quantitativos de serviços a serem realizados na obra ou serviço, enquanto o segundo os quantitativos a serem executados no contrato de gerenciamento ou fiscalização. Dessa forma, a empresa responsável pelo primeiro projeto estará proibida de participar de qualquer licitação cujo objeto tenha sido definido por ela. Não haverá óbices, entretanto, no caso da exceção definida no aludido artigo de que a projetista responsável pelo primeiro projeto participe da licitação de um segundo objeto, no caso a supervisão ou gerenciamento, desde que ela não tenha elaborado o projeto básico que definiu as diretrizes da contratação.[2]
Nesse contexto, Marçal Justen Filho esclarece que “o impedimento consiste numa vedação decorrente de conflito de interesses entre um sujeito e o objeto do processo licitatório ou da execução do contrato. O impedimento não é uma sanção, nem a vedação à participação decorre da prática de infração. Isso significa que o sujeito impedido dispõe de plenas condições de exercer aquelas atividades e de praticar os mesmos atos, desde que alteradas as circunstâncias que conduzem ao conflito de interesses”.[3]
A determinação do impedimento incide a partir do momento inicial em que o sujeito assume a posição de poder influenciar no certame ou contrato, estendendo-se até o final da execução. A única possibilidade de o autor de projetos participar do processo é na condição de “apoio das atividades de planejamento da contratação, de execução da licitação ou de gestão do contrato, desde que sob supervisão exclusiva de agentes públicos do órgão ou entidade”, conforme mencionado artigo 14, §2º.
Importa ainda registrar que o dispositivo fala da condição de consultor, permitindo ao autor do projeto básico ou executivo participar da fiscalização de determinada obra ou serviço apenas como auxiliar de fiscalização, e não como contratado direto do serviço de fiscalização.
A Administração pode, se julgar conveniente, permitir que o autor do projeto ou alguém a ele vinculado participe da licitação e contratação relacionada ao projeto, desde que em favor da Administração. Essa autorização destina-se à participação como consultor ou técnico em funções de planejamento, execução da licitação ou gestão do contrato, sempre sob supervisão exclusiva dos agentes públicos.
A regra é compatível com a disciplina do impedimento, pois o particular atuará em benefício da Administração, afastando a configuração de conflito de interesses. Essa solução é bastante conveniente, considerando que o autor do projeto básico ou executivo possui condições mais apropriadas para orientar a Administração durante as licitações e contratações.
Análise LCT
Diante do exposto, conclui-se que a participação do autor do projeto básico ou executivo na licitação relativa ao objeto principal é vedada pela legislação vigente, excetuadas as situações em que figure na condição de mero apoiador dos trabalhos a serem desenvolvidos, conforme previsto no art. 14 da Lei nº 14.133/2021. Essa vedação tem como objetivo proteger a isonomia, a transparência e a competitividade dos processos licitatórios, evitando conflitos de interesse e garantindo a igualdade de condições entre todos os concorrentes.
Nesse cenário, é recomendável que as empresas licitantes se abstenham de participar da elaboração dos projetos básico ou executivo, ou ainda colaborar na fase interna da licitação, para que a atuação esteja compatível com a legislação regente, podendo apenas atuar na condição de apoiador das atividades de planejamento, execução da licitação ou gestão do contrato, sob supervisão exclusiva de agentes públicos.
Cabe destacar inclusive que empresas autoras de projetos básico ou executivo, como também colaboradoras na fase interna na licitação, não podem pertencer ao mesmo grupo econômico de eventual empresa vencedora na licitação e consequentemente contratada.
Não há impeditivo, de outro lado, para empresas que atuem no mercado público apresentem seus serviços e concedam amostras do trabalho, com objetivo de que o órgão conheça determinada solução adequada às necessidades e busque a contratação de objeto similar.
[1] TCU. Acórdão nº 1.170/2010-Plenário, relator Ministro Benjamin Zymler.
[2] TCU. Acórdão 168/2017-Plenário, relator Ministro Augusto Nardes.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas, 2021, p. 278.