Comentando o TCU nº 8. Acórdão nº 2460/2022 – Plenário. 13.02.2023.
Jurisprudência:
Acórdão 2460/2022 Plenário (Denúncia, Relator Ministro Vital do Rêgo) Licitação.
Proposta. BDI. Desclassificação. Custo direto. Compensação. Preço de mercado. É irregular a desclassificação de licitante pelo simples fato de sua proposta conter taxa de BDI acima do percentual previsto no edital, uma vez que a majoração do BDI pode ser eventualmente compensada pela subavaliação de custos diretos, enquadrando o preço final ofertado ao de mercado.
Comentário LCT:
O Budget Difference – BDI, em português “Benefícios e Despesas Indiretas”, consiste em cálculo utilizado para identificar, como o próprio nome indica, as despesas indiretas de uma obra, sendo possível prever com maior precisão o orçamento a ser gasto em uma construção.
Antes de adentrar ao mérito do Acórdão do Tribunal de Contas da União – TCU em comento, imprescindível diferenciar custos diretos dos custos indiretos:
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- custos diretos – aqueles que são diretamente incorporados ao produto final de uma obra, que estão relacionados à execução do serviço, ou seja, materiais de construção, insumos e serviços.
- custos indiretos – são aqueles que não estão atrelados ao produto final de um projeto – insumos e serviços – mas auxiliam na composição do custo total, tais como: administração da empresa, seguros, tributos sobre faturamento, custo financeiro do contrato, garantia e salário.
O art. 40, inc. X, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, dispõe que o edital da licitação deverá indicar os critérios de aceitabilidade dos preços unitário e global das propostas dos concorrentes, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência.[1]
A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 – Nova Lei de Licitações – disciplina que a avaliação da exequibilidade e de sobrepreço, no caso de obras e serviços de engenharia e arquitetura, serão considerados o preço global, os quantitativos e os preços unitários tidos como relevantes, conforme definido no edital:
Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:[…] § 3º No caso de obras e serviços de engenharia e arquitetura, para efeito de avaliação da exequibilidade e de sobrepreço, serão considerados o preço global, os quantitativos e os preços unitários tidos como relevantes, observado o critério de aceitabilidade de preços unitário e global a ser fixado no edital, conforme as especificidades do mercado correspondente.
O TCU, por sua vez, entende que nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade dos preços unitários e global, com fixação de preços máximos para ambos, é obrigação e não faculdade do gestor.[2]
Nesse sentido, a Administração poderá estabelecer parâmetros objetivos para avaliar a aceitabilidade dos itens da planilha de preços, incluindo o BDI, o que permite, também, a fixação de um percentual máximo a ser aceito para fins de classificação das propostas, conforme estabelecem as normas que tratam sobre licitações e contratos administrativos.
Ocorre que, nada impede que os licitantes apresentem BDI superior ao fixado no edital, desde que seus preços unitários e globais sejam inferiores, com a aplicação do seu BDI, aos valores máximos aceitáveis pela Administração.
A taxa de BDI com percentual acima do limite referencial não representa, por si só, superfaturamento, desde que o preço contratado, ou seja, custo mais BDI, esteja compatível com o preço de mercado.
De acordo com a jurisprudência do TCU, a análise isolada de apenas um dos componentes do preço, custo direto ou BDI, não é suficiente para caracterizar o sobrepreço ou o superfaturamento, pois o BDI elevado pode ser compensado por um custo direto subestimado, de modo que o preço do serviço contratado esteja compatível com os parâmetros de mercado.[3]
A análise de eventual sobrepreço ou superfaturamento deve ser feita por meio da comparação do preço contratado com o preço de referência, sendo este último composto pelo custo de referência e pelo percentual de BDI de referência.[4]
A desclassificação de proposta de licitante que contenha taxa de BDI acima de limites só deve ocorrer quando o preço global ofertado também se revelar excessivo.[5]
Recentemente a Corte de Contas proferiu o Acórdão nº 2460/2022 – Plenário, o qual dispõe que “a desclassificação de licitante exclusivamente por taxa de BDI acima de limites considerados adequados, sem avaliação de possível compensação pelos preços unitários e globais ofertados, contraria a jurisprudência deste Tribunal e afronta os princípios da economicidade, explicitado no caput do art. 70 da Constituição Federal de 1988, e da razoabilidade, conforme o caput do art. 2º do Decreto 10.024/2012.”
Os custos indiretos não aparecem distribuídos em itens na planilha orçamentária, mas em forma de taxa percentual a ser aplicada sobre cada item. Assim, a verificação da compatibilidade dos preços com os praticados no mercado, ou a eventual existência de jogo de planilha, é realizada por meio de análise do montante global da obra ou dos itens especificados na planilha – custos diretos.
Assim, pequenas oscilações nas propostas de preço em relação ao percentual do BDI fixado no edital devem ser admitidas pelo ente contratante, desde que não haja a majoração do custo estabelecido para o valor global do certame.
Em conformidade com a legislação e a jurisprudência do TCU, tem-se como irregular a desclassificação sumária de licitante pela apresentação de proposta com taxa de BDI acima do percentual previsto no edital, uma vez que a majoração do BDI pode ser eventualmente compensada pela subavaliação de custos diretos, enquadrando o preço final ofertado ao de mercado.
Identificando-se a taxa de BDI acima do previsto no edital, deve a Administração realizar diligência para que o licitante demonstre a compatibilidade do preço com a realidade de mercado, mediante compensação com os custos diretos que valide a proposta.
[1] Lei nº 8.666/1993: […] Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: […] X – o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 48; […] Art. 48. Serão desclassificadas: […] § 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores: a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pela administração, ou b) valor orçado pela administração. § 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas “a” e “b”, será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.
[2] TCU – Súmula 259
[3] TCU – Acórdão nº 648/2016 – Plenário; TCU – Acórdão nº 2452/2017 – Plenário
[4] TCU – Acórdão nº 1511/2018 – Plenário
[5] TCU – Acórdão nº 1804/2012 – Plenário