Comentando o TCU nº 4. Acórdão nº 1445/2022 – Plenário. 03.08.2022.
Jurisprudência:
Acórdão nº 1445/2022 Plenário (Representação, Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman)
Licitação. Proposta. Desclassificação. Amostra. Laudo. Certificação. Desconformidade. Diligência.
Na hipótese de a certificação de qualidade ou o laudo exigido para o fornecimento do produto estar em desconformidade com a amostra apresentada pelo licitante, cabe ao pregoeiro diligenciar para que seja apresentado o documento correto, em vez de proceder à desclassificação da proposta, sobretudo quando há considerável diferença de preços entre esta e a dos licitantes subsequentes. Nesse caso, não há alteração na substância da proposta, pois o novo laudo apenas atesta condição preexistente do produto ofertado, que já se encontrava intrínseca na amostra.
Representação formulada ao TCU apontou supostas irregularidades no Pregão Eletrônico para Registro de Preços 37/2020, promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), cujo objeto era a aquisição de uniformes (vestimentas operacionais profissionais) personalizados para atendimento às necessidades da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) daquela Pasta. Segundo a representante, conforme o edital do pregão, a empresa licitante, provisoriamente classificada em primeiro lugar, deveria apresentar amostras do produto ofertado e os respectivos laudos atestando a aderência às especificações técnicas previstas no termo de referência. No entanto, sua proposta foi desclassificada sob o fundamento de que a amostra por ela apresentada para os itens 2 a 5 do pregão (bota tática ou coturno) seria diferente da bota que fora certificada no Relatório de Biomecânica 331/2020, emitido pelo Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro e Calçados (IBTeC/RS). Prosseguindo, alegou que as diferenças entre o calçado da amostra e o do mencionado laudo seriam insignificantes e que, por isso, sua desclassificação teria sido indevida, resultando na aceitação de propostas com preço superior em até 98,37%, perfazendo um potencial prejuízo total de R$ 18.113.485,00. A unidade técnica decidiu promover a oitiva do MJSP para que se pronunciasse acerca da desclassificação da proposta da representante sem que lhe fosse oportunizada, em sede de diligência, a apresentação de laudo técnico que comprovasse o atendimento, pela sua amostra, dos requisitos de desempenho constantes do termo de referência, em desacordo com o entendimento consignado no Acórdão 1211/2021-TCU-Plenário, haja vista que tal laudo apenas atestaria uma situação preexistente da amostra, qual seja, atendimento ou não de requisitos exigidos pelo edital. O MJSP contestou a aplicação do referido acórdão ao caso concreto, por entender que não se tratara da apresentação de documento que atestaria situação preexistente. Conforme argumentado, o produto oferecido não seria o mesmo que fora objeto de certificação e, portanto, não havia comprovação de atendimento às exigências do termo de referência. Em sua instrução, a unidade técnica concluiu que, apesar de haver dúvidas sobre a aplicabilidade do Acórdão 1211/2021-TCU-Plenário à situação em apreço, subsistiam os seguintes aspectos: a) constatado que o Relatório de Biomecânica 331/2020 se referia a produto distinto da amostra apresentada, seja por erro ou juízo equivocado da licitante, poderia o pregoeiro ter-lhe fixado prazo para apresentar o devido laudo relativo à amostra, em caráter de diligência, em vez de proceder à desclassificação da proposta da licitante; b) havia interesse público em diligenciar a licitante para requisitar a apresentação de laudo compatível com a amostra, tendo em vista que o valor da sua proposta era mais de R$ 18 milhões inferior ao preço das propostas vencedoras do certame. Em seu voto, o relator considerou que teria havido sim, de parte da representante, equívoco em encaminhar amostra e laudo divergentes e, mais tarde, persistir na defesa da compatibilidade entre esses elementos. Por outro lado, assinalou o relator, a conduta do pregoeiro privilegiou o apego ao formalismo em detrimento da busca pela proposta mais vantajosa para a Administração. A seu ver, embora o edital estabelecesse que a amostra física e o laudo deveriam ser entregues na mesma data, havia fundamento fático e jurídico para que a disposição fosse flexibilizada. Frisou ainda que as análises realizadas pela área técnica não apontaram desconformidade ou divergência entre a proposta da representante e a amostra entregue, confirmando-se assim que a amostra era efetivamente o produto que a empresa pretendia fornecer ao Ministério. Portanto, apresentados a amostra do produto ofertado e o laudo divergente, “seria razoável inferir que a licitante incorreu em equívoco”. Considerando então que a amostra era o produto que seria fornecido e que teria havido claro equívoco na apresentação do laudo correspondente, “caberia ao pregoeiro apontar expressamente a desconformidade e diligenciar para que fosse apresentado o documento correto”. Para o relator, não haveria nesse caso alteração na substância da proposta, pois o novo laudo viria apenas atestar condição preexistente do produto ofertado, “que se encontrava corporificado na amostra”, e que essa situação se afigurava “bastante próxima daquela descrita no Acórdão 1.211/2021-TCU-Plenário”. E arrematou: “Ainda que não fosse assim, o interesse público também justificaria seguir por uma linha de ação mais assertiva por parte do pregoeiro ante a considerável economia de recursos que se poderia obter na contratação.”. Nos termos propostos pelo relator, e considerando que já estavam em vigor a Ata de Registro de Preços 28/2021, referente aos itens 1, 2 e 5, bem como a Ata de Registro de Preços 29/2021, referente aos itens 3 e 4, o Plenário decidiu determinar ao MJSP que se abstivesse de realizar novas aquisições ou permitir qualquer adesão adicional, “autorizando-se tão somente a concluir a aquisição do pedido já emitido a que se refere à nota de empenho 2021NE000254”.
Acórdão 1445/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman.
Comentário LCT:
O art. 43 da Lei nº 8.666/1993 dispõe que os agentes responsáveis pela condução da licitação poderão realizar diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.[1]
Para o Tribunal de Contas da União – TCU o trecho do artigo mencionado acima, “vedada a inclusão de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta”, deve ser interpretado no sentido de ser admitida a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública, mas que não foi entregue por equívoco ou falha [Acórdão nº 1211/2021 – TCU – Plenário].
A Lei nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações, em seu art. 64, dispõe de texto no mesmo sentido já jurisprudência do TCU, permitindo a complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame.[2]
Especificadamente sobre a amostra, apesar de não existir previsão expressa sobre a exigência desse procedimento na Lei nº 8.666/1993 ou na Lei nº 10.520/2002 – Lei Geral do Pregão, o TCU possui entendimento consolidado sobre a viabilidade e legalidade de a Administração exigir do licitante melhor classificado na disputa a sua apresentação, com a finalidade de verificação do atendimento aos requisitos de qualidade previstos no edital [Acórdão nº 3269/2012 – TCU – Plenário e Acórdão nº 1667/2017 – TCU – Plenário].
A Nova Lei de Licitações, por sua vez, disciplina em seus arts. 41 e 42, a viabilidade de solicitação de amostra do licitante provisoriamente vencedor.[3]
[1] Lei nº 8.666/1993. […] Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos: […] § 3o É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.
[2] Lei nº 14.133/2021: […] Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para: I – complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame; II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas. § 1º Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação. § 2º Quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento e já tiver sido encerrada, não caberá exclusão de licitante por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.
[3] Lei nº 14.133/2021: […] Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente: […] II – exigir amostra ou prova de conceito do bem no procedimento de pré-qualificação permanente, na fase de julgamento das propostas ou de lances, ou no período de vigência do contrato ou da ata de registro de preços, desde que previsto no edital da licitação e justificada a necessidade de sua apresentação. […] Art. 42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas eventualmente indicadas no edital será admitida por qualquer um dos seguintes meios: […] § 2º A Administração poderá, nos termos do edital de licitação, oferecer protótipo do objeto pretendido e exigir, na fase de julgamento das propostas, amostras do licitante provisoriamente vencedor, para atender a diligência ou, após o julgamento, como condição para firmar contrato. § 3º No interesse da Administração, as amostras a que se refere o § 2º deste artigo poderão ser examinadas por instituição com reputação ético-profissional na especialidade do objeto, previamente indicada no edital.